Daquela vez o amor seria diferente.
Pegou nela ao colo e mergulhou-a delicadamente na infusão de água quente e óleos essenciais.
Sentiu o seu arrepio de prazer e viu-a afundar-se no líquido fumegante.
A esponja tornou-se o seu instrumento de trabalho, esquadrinhando toda a superfície daquele corpo abandonado aos seus cuidados.
Lavou-lhe o cabelo que amava desenredar com os dedos, com o seu aroma preferido.
Cuidava dela porque a sabia exausta e carente, como um animalzito recolhido na rua em noite de tempestade.
Sentia-se cuidador e predador a um só tempo, mas hoje o amor ia ser diferente.
Enrolou-a no roupão e sentiu que ela tinha peso de anjo.
Passo-lhe óleo pela pele, como já a tinha visto fazer às crianças. Achou que o fez bem.
De volta aos lençóis, e almofadas, pousou-a e pareceu-lhe ver a “Maja Desnuda”.
Sentiu a sua excitação crescer, mas ignorou-se voluntariamente. Hoje era só ela que contava.
Ela sorria-lhe, agora mais relaxada, menos tímida. Sorria-lhe dengosa mas ainda com uma sombra de cansaço no olhar. Percebia-se que tinha lutado muito tempo lá fora, podiam perceber-se-lhe arranhões na alma.
Ele amou-a ainda mais assim, dependente dos seus cuidados.
Hoje esqueceria o quanto a desejava, e como o seu corpo reagia àquela mulher.
Aproximou-se dela começou a percorre-la determinado.
Agora ele era só mãos, nariz e língua que bisbilhotavam ao milímetro o corpo transformado em território desconhecido.
Como se fosse a primeira vez, montes e vales, desertos e florestas eram reconhecidos com minúcia pelos “batedores” que lutavam para não se perderem de amores e deslumbramento. Apenas para pensar na missão de regaste do território.
A pele eriçada, os estremecimentos involuntários, e suspiros muito ténues, apenas acicataram a sua determinação.
Batalhou pelo retesar de músculos e crispar das mãos, pela intumescência dos seios, pela rendição das coxas, pela capitulação absoluta.
Do animal indefenso, nada ia restando, havia agora uma fêmea no sua lugar, esfaimada, manhosa, exigente, puramente animalesca.
Viu-lhe lampejos de pantera no olhar, movimentos de serpente nos quadris e adivinhou-lhe intenções de louva-a-deus, no sexo.
- Não! Mostrou-lhe, imobilizando-a firmemente contra o colchão, hoje vai ser diferente!
E ela fingiu adormecer...
Fingiu não sentir a pressão das mãos dele nas suas coxas, dos seus lábios, nas suas nádegas, da sua língua no seu sexo.
Fingiu que dormia enquanto ele se fazia aluno e mestre na arte de a saborear, na tarefa de a confundir, de a consumir aos pedaços, de a chupar como caramelos, de a trincar suavemente como crosta de chocolate estaladiço.
Ela fingiu e rugiu... ronronou e capitulou...
Adormeceu de tanto tentar fingir, corpo abandonado no lençol revolto, membros dispostos em desordem, cabelos cheirosos de sexo e suor, faces rosadas da jornada.
Ele levantou-se, afastando-se da cama para a observar melhor.
Encostou-se à parede fria e sentiu num só arrepio: frio, contentamento, desejo e redenção.
Não mais se policiou.
As mãos fortes que tinham agora o cheiro dela, percorreram o caminho até ao desejo dele.
Fez por se lembrar como ela lhe tocara tantas vezes.
Sabia que eram ambos que estimulavam o seu sexo faminto.
Os seus odores misturados, o sabor dela na sua boca, a visão das curvas em abandono, a lembrança dos beijos selvagem trocados outras vezes, o vai e vem da mão que repousava no colchão mas que ele sentia quente apertado-lhe o pénis dilatado, mas sobretudo a visão dos olhos que semicerrados fingiam dormir e o sorriso que o espicaçava, para continuar, bastaram para se espraiar naquele dia em que o amor foi diferente.
domingo, abril 15, 2007
DAQUELA VEZ...
Publicada por syl à(s) 11:49 da tarde
Etiquetas: corpo e alma
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4 comentários:
mais uma vez me deixaste sem fôlego com a intensidade e profundidade aqui expressa...é lindo demais, quase insustentável (como quando nos sugam o dedo grande do pé)
ff
:) por acaso eu também gostei deste texto e o mais engraçado sabes o que é? ...como cada palavra e frase me saem pelos dedos para as teclas, e me surpreendem. Muitas vezes também esta intensidade me apanha desprevenida... curioso, n achas?
Olá Syl.
Há muito tempo que não aparecias na Gaveta. Gostei do teu regresso.
E gostei, muito, destas tuas palavras. Amadurecidas e Sensuais.
E o que te responder? conheces a "alma" e isso já é tanto...!
bj
Gui
coisasdagaveta.blogs.sapo.pt
Não queria ser repetitiva, mas...
como ff disse, é de se ficar sem fôlego.
É de se deixar o corpo ir e...
inundar-se ao sabor de minuciosos momentos.
Muito profundo e delicioso.
Beijos
Alice
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